A Psicologia da Educação procura
utilizar os princípios e as
informações que as pesquisas
psicológicas oferecem acerca do comportamento humano, para tornar mais
eficiente o processo ensino- aprendizagem..
A contribuição da Psicologia da Educação abrange dois aspectos
fundamentais:
a)
Compreensão
do aluno. Compreensão de suas necessidades, suas características individuais
e seu desenvolvimento, nos aspectos físico, emocional, intelectual e social. O
aluno não é um ser ideal, absoluto. É
uma pessoa concreta, com preocupações e problemas, defeitos e qualidades. É um
ser em formação, que precisa ser compreendido pelo professor e pelos demais
profissionais da escola, a fim de que tenha condições de desenvolver-se de
forma harmoniosa e equilibrada.
b)Compreensão do processo ensino-aprendizagem. Para o
professor, não é suficiente conhecer o aluno. É necessário que ele saiba como
funciona o processo de aprendizagem, quais os fatores que facilitam ou
prejudicam a aprendizagem, como o aluno
pode aprender de maneira mais eficiente, além de outros aspectos
ligados à situação de aprendizagem,
envolvendo o aluno, o professor e a sala de aula.
Na verdade, além desses dois
aspectos existe outro, de fundamental importância para que o professor consiga
realizar satisfatoriamente seu trabalho: a compreensão do papel do professor.
1.1
–
COMPREENSÃO DO PAPEL DO PROFESSOR
A idéia que fazemos de escola
quase sempre inclui o seguinte quadro:
um professor tentando ensinar alguma
coisa a uma turma de alunos. Na verdade, o professor também aprende enquanto ensina,
e o aluno, enquanto aprende, também ensina. Se o professor precisa conhecer a
si mesmo para poder conhecer os alunos, a
abertura ao que os alunos podem
ensinar-lhe é um dos passos para
esse autoconhecimento.
O professor não é o senhor
absoluto, dono da verdade e dono dos alunos, que manipula a seu bel-prazer. Os
alunos são pessoas humanas, tanto quanto ele, e seu desenvolvimento e sua
liberdade de manifestação precisam ser respeitados pelo professor. Na medida em que isso acontecer, o professor
chegará a conclusão de que não é apenas uma maquininha de ensinar
ou um gravador ou qualquer outro aparelho. Como os alunos, ele também é
uma pessoa e relaciona-se com eles de forma global, e não apenas como instrutor ou transmissor de ordens e
conhecimentos.
Enquanto pessoa humana adulta , o
professor costuma ser considerado um exemplo para os alunos. Quase sempre sem
ter consciência exata disso, o professor
transmite a seus alunos atitudes positivas ou negativas em relação ao
estudo e aos colegas, transmite seus preconceitos, suas crenças, seus valores,
etc. O aluno às vezes aprende muito mais com o que o professor faz ou deixa de fazer, do que com
aquilo que o professor diz. É importante que o professor tenha consciência de
que além de mero transmissor de conhecimentos, ele é mais um dos exemplos
adultos que os alunos em desenvolvimento poderão vir a imitar.
Ao menos em relação a crianças,
certas pesquisas têm demonstrado que o conhecimento de matéria e a
eficiência do ensino não são
mais valorizadas pelos
alunos. Mas importante
é o relacionamento do professor com
as crianças, do ponto de vista do indivíduo e do grupo. Professores que mantêm
relações agradáveis com os alunos, que preferem atitudes democráticas e
cooperadoras, que são delicados e paciente, têm muito mais probabilidades de
serem bem sucedidos em seu trabalho educativo.
Outro aspecto importante do papel
de professor refere-se à sua participação
em atividades escolares extraclasse. Essas atividades são responsáveis por
grande parte da aprendizagem dos alunos: é no recreio, em promoções culturais,
artísticas, sociais e esportivas que os
alunos aprendem a convivência social, o gosto pela cultura e pela arte e a
prática de esportes, tão salutares para seu desenvolvimento. O professor
deveria participar dessas atividades que contribuem para uma melhor aprendizagem
das matérias escolares. Essa participação proporcionaria ao professor
oportunidades ótimas de conhecer melhor seus alunos.
É sabido que o relacionamento
fora da sala de aula, em atividades
extraclasse, costuma ser muito natural e
espontâneo e, por tanto, muito mais rico
para o desenvolvimento integral de alunos e professores.
A
participação do professor em atividades da comunidade onde se
situa a escola também é importante para que ele conheça os resultados de seu
trabalho e possa orientar as tarefas escolares de acordo com as necessidades e
aspirações reais da população. Muitas
vezes a escola permanece isolada da comunidade, quando deveria estar a seu
serviço, atendendo aos pais e a outros moradores da comunidade, como centro de
encontros, reuniões, cursos e promoções artísticas, culturais, esportivas, etc.
Além dos aspectos relacionados
com vários papéis que o professor desempenha junto aos alunos e a comunidade, convém chamar a
atenção para a própria realização do professor. Para o sucesso do
trabalho educativo, é importante
que o professor goste do que faz,
acredite que está alcançando os resultados esperados e se sinta satisfeito e
realizado. Um professor frustrado é um fator de frustração para os alunos.
Sabe-se que uma atitude positiva do professor em relação à matéria, aos alunos
e a seu próprio trabalho é de fundamental importância para a eficiência da
aprendizagem por parte dos alunos.
Na medida em que se sente
realizado, o professor tem interesse em
evoluir constantemente, em procurar dedicar-se efetivamente a seu trabalho.
Quanto mais o professor se aperfeiçoa, tanto mais alcança sucesso em seu
trabalho, e quanto mais se vê bem sucedido, tanto mais procura aperfeiçoar-se e
desenvolver-se.
É evidente que a realização do
professor, enquanto instrutor, orientador e exemplo, enquanto participante das
atividades de seus alunos e da comunidade, depende também das condições
objetivas de trabalho. Se o professor ganha pouco e seu dinheiro não dá nem
para comprar um livro ou ir a um teatro; se a escola não lhe oferece os
recursos necessários a seu trabalho educativo,
dificilmente ele poderá contribuir para a realização dos alunos. Nessas
condições, será um herói aquele que conseguir aperfeiçoar-se constantemente e
realizar-se.
A população e os professores devem trabalhar para que os
poderes públicos tomem consciência da importância da educação para o país e
canalizem para o setor os recursos necessários.
1.2 – COMPREENSÃO DO ALUNO
A Psicologia da Educação é
indispensável para que o professor tenha condições de compreender seus alunos e
desenvolver um trabalho eficiente.
Não é a mesma coisa
trabalhar com crianças de quatro anos, com crianças
de dez anos ou com adolescentes.
O aluno está em formação, em
desenvolvimento. E em cada
uma das etapas desse desenvolvimento tem
características diferentes, necessidades diferentes, maneiras diferentes de
entender as coisas. Daí a importância
que tem para o professor o conhecimento integral do aluno, em seus
aspectos físico, emocional, intelectual e social.
A
escola geralmente dá mais importância ao desenvolvimento
intelectual do que aos outros aspectos.
Mas, principalmente em regiões desfavorecidas, cabe à escola suprir as deficiências
da comunidade e contribuir para o desenvolvimento físico, emocional e social
dos alunos. Isto é importante na medida em que o desenvolvimento humano se faz
de forma integral e global, envolvendo todos os aspectos. O desenvolvimento
intelectual poderá ser prejudicado, se não houver o desenvolvimento concomitante
dos outros aspectos.
Além dos conhecimentos ligados ao
desenvolvimento efetivo e intelectual dos alunos, a Psicologia da Educação pode
ajudar o professor a compreender os alunos em suas relações com a família, com
os amigos, com a escola, com a comunidade, etc. No decorrer de sua vida diária,
o aluno sofre uma série de influências que vão ter repercussões, negativas ou
positivas, em seu trabalho escolar. Se essas influências estão em concordância
com a direção imprimida ao trabalho escolar, podem ser benéficas para a
aprendizagem.
Em alguns casos, verifica-se que
a família e a escola orientam a criança em sentidos diferentes, ou que os
valores dos amigos e os da escola sejam valores divergentes. Haverá então
conflitos, e a criança poderá ser prejudicada em seu trabalho escola.
Conflitos podem nascer também das
diferenças de classes sociais. Muitos alunos já chegam a escola familiarizados
com o material escolar comum – lápis,
borracha, régua, caderno, livro- enquanto outros nunca usaram esse material
em sua vida. Muitos alunos chegam imbuídos de valores como ordem,
limpeza, higiene, trabalho
persistente, etc., ao passo que outros não estão acostumados a dar
importância a tais valores. O que
acontece, então?
Na medida em que o professor é oriundo de uma determinada classe
social, pode não levar em consideração tais diferenças e revelar dois
comportamentos negativos:
1.°) desconhecer
que o não-aproveitamento dos alunos pode ser conseqüência da inadaptação à
própria escola;
2.°) tentar impor
seus próprios valores de classe a todos os alunos, desrespeitando a realidade
de cada um.
Como se vê, o trabalho educativo não é tão simples quanto se possa
imaginar. Embora o conhecimento da Psicologia da Educação não seja garantia de
bom ensino, pode ajudar o professor a desempenhar suas funções de maneira mais
satisfatória para ele e para os alunos.
1.3 – COMPREENSÃO DO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM
Entre os professores muitas
idéias falsas sobre o processo educativo já
estão sendo substituídas por outras. Hoje em dia sabe-se que não basta
punir ou recompensar o aluno para que ele aprenda; que despejar conhecimentos
sobre os alunos não é o mais importante; que apenas falar a matéria na aula é
insuficiente; que não basta que o aluno memorize os conhecimentos para que os
utilize na prática; que não adianta criar uma situação agradável na sala de
aula, se o aluno não está interessado em aprender, etc.
A aprendizagem ocorre sob a ação de inúmeros fatores, que a
Psicologia da Educação procura estudar e explicar. Às vezes, o
aluno não aprende por
razões simples, como, por exemplo, o fato de ter ficado em casa por
causa da chuva, ou o fato de os pais não darem importância a escola, e assim
por diante.
Por tudo isso é muito importante que o professor estude as
principais questões analisadas pela Psicologia da Educação:
·
O que é aprendizagem ?
·
Quais os fatores que
facilitam a aprendizagem?
·
Como deve ser a interação entre professor e alunos para que a
aprendizagem seja mais eficiente ?
· Como fazer com que os alunos estejam
motivados para aprender e se interessem pela matéria a ser estudada ?
· Como fazer para tornar a matéria e o seu
ensino mais criativos, mais dinâmicos, e menos monótonos ?
· Qual a importância da liberdade
para a aprendizagem ?
·
Porque os alunos esquecem a maior parte do que estudam ?
·
Como não esquecer o que aprendemos ?
·
Quais os fatores que prejudicam a aprendizagem ?
·
O que significa avaliar a aprendizagem ?
·
Como avaliar o que foi aprendido ?
A todas essas questões e a
muitas outras a Psicologia da Educação procura responder. Entretanto, é preciso
que se tenha sempre em mente o seguinte: cada situação é diferente, cada caso é
um caso. A Psicologia da Educação não fornece receitas prontas, que o professor
possa aplicar automaticamente. Diante de cada situação, o professor possa
aplicar e estudar todos os aspectos e, somente então, ver qual o procedimento
indicado para o caso. As informações
sobre o comportamento oferecidas pela Psicologia podem ajudar o trabalho do
professor.
2. A
FAMÍLIA DO ALUNO
O aluno vive numa família que tem
pai, mãe e irmãos? Vive só com a mãe e os irmãos? Vive só com os pais? Vive com
irmãos, sem pai nem mãe? Vive com um tio, uma tia, os avós? Quantos irmãos tem?
Como são seus pais? São autoritários? Mandões? Agressivos e violentos? Ou dão
total liberdade? São afetuosos com os filhos? Os pais trabalham? Estão
desempregados? Ganham o suficiente para sustentar a família? Passam por dificuldades?
Os filhos se alimentam bem ou mal? Os pais valorizam a escola? Ou preferem que
o filho deixe de estudar para trabalhar?
Todas as questões acima mostram
como pode variar a situação familiar do aluno, situação que sempre guarda
alguma relação com a vida na escola.
O professor não pode esquecer que o aluno aprendeu muita coisa
antes de entrar para a escola e que continua aprendendo muita coisa fora da escola. Portanto, o que o professor
ensina não é a única influência que o
aluno recebe nem a mais importante. Fora da escola, ele aprende muita coisa
importante para sua própria
aprendizagem na escola, importante para
a formação da sua personalidade, importante para toda a sua vida.
Fora da
escola podemos encontrar três tipos de influências importantes que atingem o
aluno: a família, os amigos e a comunidade. Neste capítulo, analisaremos as influências da família,
abrangendo quatro pontos principais: família
e aprendizagem, família e personalidade, ambiente familiar e família e classe social.
2.1 –
FAMÍLIA E APRENDIZAGEM
As principais experiências
educacionais da criança geralmente são proporcionadas pela família. Depois de
nascer, a criança começa a sofrer influências familiares que, aos poucos, vão
modelando seu comportamento: a roupa que deve vestir, a alimentação que deve
tomar em determinados horários, as horas em que deve dormir. Mais tarde, é o
treino para que ande, para que fale, para que não faça xixi na roupa, etc.
Provavelmente, a maior parte das influências que os pais exercem
sobre os filhos é inconsciente. Muitos
pais não têm plena consciência de que seus comportamentos, sua maneira de ser e de olhar para os outros, e
até mesmo sua maneira de carregar o filho no colo, tem enorme influência sobre
o desenvolvimento do filho.
É preciso considerar que o treino
a que os pais submetem as crianças, de maneira consciente e deliberada, nem
sempre produz os resultados esperados. Além disso, certos treinos produzem resultados com os quais os pais nem sonham.
Vejamos um exemplo esclarecedor contado por Lindgren. (Op. Cit.,p. 85.)
“Dona Léa
começou a treinar o controle dos esfíncteres de seu filho José quando ele tinha
seis semanas de idade. Sempre que pensava estar ele a ponto de urinar ou
defecar, colocava-o na privada. Sempre que ele sujava a fralda, ela o
repreendia; sempre que ele urinava ou defecava na privada, ela o gratificava.
Isto aconteceu meses após meses. Gradualmente, José se sujava menos
freqüentemente
Sua mãe estava satisfeita com esse progresso, embora desejasse que ele aprendesse sempre mais depressa.
Então, ela o repreendia mais severamente e ocasionalmente batia nele quando ele
sujava a fralda. Finalmente, quando ele
estava com dezoito meses, começou
a usar a privada
quase todas as
vezes para o movimento do intestino, mas seu
treino da bexiga só ficou completo quando atingiu dois anos.
Quando isso aconteceu, Dona Léa congratulou-se por ter feito um trabalho tão
completo de treinamento dos esfíncteres de seu filho”.
Na verdade, o que Dona Léa
deveria fazer era dar-se os pêsames. Todo tempo que perdeu procurando treinar
seu filho, a partir de seis semanas de idade, foi inútil, pois a maioria das
crianças só tem condições de estabelecer o controle dos intestinos por volta
dos dezoito meses e o da bexiga, por volta dos dois anos. O treinamento
precoce, antecipado, só pode trazer resultados prejudiciais. Quem aprendeu com todo trabalho foi Dona Léa
__aprendeu os horários em que José costumava defecar e urinar, colocando-o na
privada na hora certa. Quando o
intestino e a bexiga mudavam de horário, o treino ia por água abaixo!
E José não aprendeu nada com toda
essa preocupação da mãe? Claro que aprendeu! Pode não ter aprendido a controlar
os esfíncteres, mas aprendeu uma porção de outras coisas: que sua mãe estava
ansiosa, que sua mãe estava desapontada com ele, que sua mãe estava sempre
agitada e indecisa. Na verdade, Dona Léa pensava estar ensinando hábitos de
eliminação, mas ensinava atitudes de valores quanto à eliminação, à sujeira, a
horários e à vida em geral.
O que é ensinado
inconscientemente, sem a intenção de ensinar, normalmente permanece por mais
tempo. Embora você tenha esquecido muito das matérias que aprendeu na escola,
certamente se lembra de muita coisa a respeito de seus professores, de como agiam,
de sua maneira de tratar os alunos, etc.
Os sentimentos que os pais têm em
relação à criança, durante os anos anteriores à escola, são de fundamental
importância para o
desenvolvimento posterior da criança e para sua aprendizagem escolar.
Esses sentimentos contribuem para que a criança
desenvolva o conceito
de si própria
(o autoconceito ), o conceito do mundo e de seu lugar no mundo. E já vimos que o autoconceito é a
base de toda a aprendizagem: se a criança se julga capaz de aprender, aprenderá
muito mais do que a criança que acha que é incapaz.
Parte da influencia dos pais
provém da maneira como eles encaram a
aprendizagem escolar. No caso da leitura, por exemplo, os pais podem
estranhar o atraso do filho nessa atividade. Podem pensar consigo mesmos: “ Mas
como? Se sempre estimulei nosso filho para que lesse? Chegamos até a comprar
livrinhos de histórias para ele. Não é possível! Ele deve ter algum problema!”
.
Na verdade, o atraso do filho
pode estar relacionado com a atividade dos pais em relação à leitura. Não basta
comprar livros e dizer ao filho que leia. A pergunta fundamental é o seguinte:
Os pais lêem? Se não lêem o filho não aprendeu em casa uma atitude positiva em relação à leitura. Certos pais
preferem ver televisão, assistir algum filme, passear. Com tais exemplos o
filho não terá muito interesse em leitura.
Poderíamos citar outros exemplos. Mas, os exemplos mencionados
mostram claramente como os pais podem influenciar a aprendizagem que os filhos
vão ter na escola: através de atitudes e valores que passam aos filhos, sem a
intenção de ensinar.
2.2 –
FAMÍLIA E PERSONALIDADE
Vimos, no capítulo anterior, que
o indivíduo estrutura sua personalidade a partir do final da infância, quando
já pode ter seu próprio sistema de normas e valores que vai ser estabelecido
com base nas experiências infantis, entre as quais uma das mais importantes é o
clima psicológico que os pais propiciaram á criança. Geralmente, as atitudes
básicas em relação à vida, assimiladas na infância, continuam durante toda a
vida.
Um exemplo contado por Lidgren
ajudará a esclarecer a questão da influência dos pais.
“Na família Silveira, o ditado “
As crianças pequenas devem ser vistas e não ouvidas” foi posto de lado.
Quando Mário era um bebê, seus irmãos e irmãs dominavam a conversação à mesa de
jantar e, quando ele cresceu o suficiente para participar da conversa,
acrescentou sua voz à dos outros. Os pais de Mário às vezes faziam
objeções quanto ao barulho, dizendo que
o jantar deveria ser um acontecimento calmo, um momento para conhecer o
pensamento uns dos outros. Mas nunca fizeram uma tentativa séria para impor
silêncio, porque sentiam que era ainda mais importante que as crianças pudessem
falar. Quando os filhos atingiram a adolescência e a idade adulta, continuaram
a ser indivíduos francos. O próprio
Mário teve poucos problemas com a timidez, tão comum durante a
adolescência e a idade adulta, e
animadamente dominava as reuniões e discussões de classe no ginásio e na
faculdade. Por outro lado, os mais velhos freqüentemente se queixavam de que
ele não tinha o necessário respeito por pessoas que ocupavam posições de
importância e autoridade. Dentre seus professores, aqueles que adotavam a
discussão em classe gostavam de sua presença na aula, porque sempre se podia
contar com ele para manter uma discussão. Os professores que empregavam o
método expositivo consideravam-no passível de censuras, porque ele tinha o
hábito de interrompê-los com perguntas e comentários.”
O exemplo permite perceber como as atitudes dos pais em relação
aos filhos, à mesa, na hora do jantar, influenciam a maneira de ser dos filhos,
em relação às outras pessoas.
Na verdade, existem muitos
outros aspectos, além da maneira de se relacionar com os outros, que tornam as
pessoas diferentes umas das outras. Mas, todos esses aspectos são também
influenciados pelo ambiente familiar, nos primeiros anos de vida.
Já vimos como a hereditariedade e
o ambiente influenciam nosso desenvolvimento: cada um organiza de uma maneira
especial, diferente dos outros, o que recebe de hereditário e o que aprende a
partir do nascimento. Por isso, mesmo dois filhos que recebem a mesma
influência familiar, às vezes podem desenvolver personalidades diferentes,
maneiras diferentes de ser. Isto acontece porque as influências familiares são
interpretadas de uma maneira particular e outras influências, fora da família,
também contribuem para a formação da personalidade.
De qualquer forma, há certas
maneiras características de os pais se comportarem, e essas maneiras têm influências
diferentes sobre os filhos. Quanto ao tratamento, os pais podem ser
restritivos, controladores, manter os filhos “com rédea curta”; mas podem
também ser permissivos, liberais, permitir que os filhos façam o que bem
entendem.
Quanto ao relacionamento afetivo,
podem ser afetuosos, carinhosos; mas, podem ser hostis, severos, agressivos,
violentos. Das diferentes combinações dessas quatro características – restritivos ou permissivos
e afetuosos ou hostis – resultam diferentes influências
sobre os filhos, que podem desenvolver diferentes personalidades. Veja no
quadro que segue a esquematização dessas influências e dos resultados que podem
ter sobre os filhos.
Pais
|
Tratamento
restritivo
|
Tratamento
permissivo
|
·
Submisso, dependente, polido, asseado,
obediente, não amigável, não criador.
|
·
Ativo, desinibido, criador ,bem sucedido,
independente, amigável.
|
|
Afetuosos
|
·
Agressão mínima, submissão máxima.
|
·
Mínima submissão, auto-agressão mínima
|
Hostis
|
·
Tímido, afastado socialmente, problemas
neuróticos.
·
Auto-agressão máxima.
|
·
Não condescendente, intransigente,
delinqüência.
·
Agressão máxima.
|
Esquematizando ainda mais o quadro, poderíamos ter as quatro
situações que seguem:
1ª) Pais restritivos e afetuosos: filhos submissos e dependentes.
2ª) Pais restritivos e hostis: filhos tímidos e auto-agressivos.
3ª) Pais permissivos e
afetuosos: filhos criadores e
independentes.
4ª) Pais permissivos e
hostis: filhos intransigentes e agressivos.
É evidente que não se trata de uma fórmula rígida, de aplicação
automática: além dos pais, outras influências podem atuar fortemente sobre a
criança em desenvolvimento.
2.3 – O
AMOR NO AMBIENTE FAMILIAR
O amor dos pais ou de outros adultos é uma
condição indispensável para a educação
das crianças. Quando os pais amam os filhos, estes desenvolvem atitudes
positivas em relação a si mesmos, aos outros e a vida. Os filhos aprendem a
amar, verdadeiramente. Amar a si mesmos,
amar aos
outros, amar a vida. Não basta falar que se ama. Criança
nenhuma se deixa enganar pelas palavras “meu bem, meu querido”, Não adianta
disfarçar, porque as crianças percebem.
Os pais que se amam tendem a amar
também os filhos. Estes se sentem confiantes, seguros, amantes da vida. Amar
não significa dar liberdade absoluta. Existem limites para a ação individual,
limites estabelecidos pelas ações dos outros. Isto é: eu sou livre, mas o outro
também é livre; se vivemos juntos, devemos estabelecer conjuntamente as regras
da nossa convivência.
Na escola, as crianças bem amadas
geralmente são participantes, interessadas, procuram entender o que está
acontecendo, são entusiasmadas com as atividades que acham interessantes e
úteis. Em termos de convivência social, geralmente são respeitadoras dos
outros, mas têm seus pontos de vista, que defendem e procuram difundir.
Quando a criança vive com pais que não se amam e não as amam, o
resultado pode ser catastrófico: os problemas dos pais, suas atitudes negativas
diante da vida e dos outros passarão para os filhos.
Na escola, a situação será
difícil: alunos não amados tendem a não ter confiança em si mesmos e nos
outros; nas atividades em conjunto, geralmente não colaboram; desenvolvem
comportamentos agressivos, como uma defesa contra a falta de amor. São crianças
que podem apresentar pouco entusiasmo com as atividades escolares,
desinteresse, revolta, fuga de uma relação amorosa e construtiva.
Muitas vezes, é preferível que os pais se separem a ficarem junto
sem amor. A criança filha de pais separados pode encontrar uma nova situação
mais favorável: ou a mãe se casa de novo e o novo casal criará uma situação de
amor entre eles; ou se encontra outro adulto, que substitua seus pais naturais,
etc.
Convém considerar que as
situações familiares variam muito e que o comportamento humano é complexo e
cada um estabelece os próprios padrões de conduta. Na relação
professor-aluno, o essencial é compreender o comportamento da criança. E compreender
que não são apenas os pais que influenciam esse comportamento. É preciso que o professor analise o
comportamento, veja os fatores que estão interferindo e, na medida do possível,
tente agir sobre esses fatores. Não se
pode tentar corrigir apenas o efeito, o comportamento manifesto, sem analisar
suas causas. Também não se pode, diante de uma situação considerada anormal
- falta de amor dos pais, pais agressivos - ,atribuir apenas a esta
situação a responsabilidade pelo comportamento da criança. E lembrar-se de que
compreender é preferível a julgar.
Alguns educadores, no entanto,
parecem dar importância exagerada a certas influências dos pais. Veja os
exemplos citados por Neill (Op. Cit.,p.301):
“Tive entre outros, os seguintes casos:
Menina de quinze anos, ladra. Mãe infiel ao pai. A menina sabia.
Menina de catorze anos sonhadora infeliz. A neurose datava do dia
em que viu o pai com sua amante.
Menina de doze anos, odiava todo mundo. Pai impotente, mãe azeda.
Menino de oito anos, ladrão. Pai e mãe brigavam abertamente.
Menina de nove anos, vivia no mundo da fantasia (em grande parte
anal-erótica). Pais furtivamente hostis um contra o outro.
Menino de nove anos, impossível em casa devido ao mau gênio
vivendo em fantasia de grandeza. Mãe malcasada .
Compreendendo quanto é difícil curar uma criança quando o lar
permanece um lugar destituído de amor. Muitas vezes respondo à mãe que me
pergunta o que deve fazer com o filho:
- Vá fazer a senhora uma
análise psíquica”.
2.4 –
FAMÍLIA E CLASSE SOCIAL
Falamos da situação afetiva da
família, onde pode existir ou faltar o amor. Trataremos agora da situação
material.
A maior parte da população
brasileira pertencente à classe daqueles que auferem rendimentos muito baixos.
Geralmente as famílias enfrentam enormes dificuldades. As crianças que não
morrem no primeiro ano de vida passam fome ou se alimentam mal. Como vai ser
seu rendimento na escola? Baixo? Nem poderia ser diferente. Em conseqüência, as
crianças dessas famílias tendem a se afastar da escola. Vão sentir-se
incapazes, frustradas e continuar a situação dos pais: trabalhar para ganhar
muito pouco.
Outro aspecto importante, quando se considera a relação entre
classe social e escola, é que a escola, geralmente, é feita para crianças que
já vivem num clima favorável à aprendizagem. Veja o seguinte: um filho de classe
média ou alta já tem em casa uma série de experiências com materiais
escolares - lápis, papel, caderno, livro, etc. - , que o
familiarizam com a atividade escolar. Por outro lado, a criança de classe média
ou alta muitas vezes freqüenta a pré-escola, ou seja, vai à escola desde os
dois ou três anos. No primeiro ano do
primeiro grau, essa criança vai se sair melhor do que aquelas que nunca viram
uma caneta, nunca manipularam um livro,
etc. A conclusão que se pode tirar é que não é competência individual que vai
selecionar os melhores para prosseguirem os estudos, mas a classe social a que
pertencem. Esta tem muita influência sobre a aprendizagem escolar. Esse é um
assunto tratado especialmente em Sociologia
da Educação.
A AVENTURA ESCOLAR
A maioria das crianças que
vive nas condições descritas no capítulo
anterior consegue entrar na escola. Mas a escola vai se transformar numa
aventura arriscada e noventa crianças em cada cem não vão conseguir chegar ao
fim dessa aventura. As estatísticas mostram
que apenas l0% dos que começam o primeiro grau, conseguem se matricular na
primeira série do segundo grau.
O que acontece no decorrer
do primeiro grau? Conversando com antigos colegas seus, que entraram com você
na escola, mas que atualmente não continuam estudando, você poderá ter uma
idéia a respeito do que foi a escola para ele, por que não continuaram , etc.
Você mesmo, depois de dez
anos ou mais de bancos escolares, pode falar a respeito dessa aventura: como
foi? quais os fatos mais marcantes? o
que sobrou dela? Valeu a pena? Ninguém melhor do que aqueles que viveram esta
aventura, durante milhares de dias, para falar a respeito dela.
Neste capítulo,
procuraremos contar um pouco dessa aventura, da maneira como a vemos
atualmente. Você não precisa , necessariamente, concordar com tudo que vai ser
dito. Cada caso é um caso e aquilo que vai ser dito aqui pode não se aplicar a
todos os casos. De qualquer forma, é uma oportunidade de pensar sobre a
aventura escolar.
Três pontos principais serão
estudados: o que as crianças encontram na
escola; a reação das crianças e o que fazer?
·
O QUE A CRIANÇA ENCONTRA NA ESCOLA
De acordo com Babette Harper e outros (Op. Cit., p. 40
e seguintes), a criança ao chegar à escola, vai encontrar uma realidade totalmente
diferente da sua, um mundo desconhecido e estranho. Os principais aspectos
desse novo mundo seriam os seguintes:
1.º) “Um mundo à parte,
fechado e protegido, onde a criança é depositada
como um pacote registrado, cujo acesso é cuidadosamente controlado.” Você já
reparou que a maioria das escolas é cercada por altos muros? O portão é
rigorosamente vigiado: Pessoas estranhas não entram! Mas como pode existir
pessoas estranhas à escola? Por que a escola deve estar isolada? Por que a criança, ao entrar na escola, deve
cortar suas ligações com o mundo exterior? Pais, mães e comunidades devem fazer
parte integrante da escola.
2.º) Um mundo “separado da vida”. Como é
rica e variável a vida da criança, fora da escola! São muitas experiências
diferentes, ricas em todos os sentidos: na rua, a criança encontra pessoas
diferentes, animais, plantas, sol, chuva, etc. Na escola, cria-se um ambiente
artificial e uniforme: uma sala, carteiras, quadro-negro, giz, professor e,
geralmente, mais nada.
3.º) Um mundo de ritos imutáveis”. Todos os dias a mesma coisa; em todas as aulas
a repetição monótona de todas as outras aulas, das do dia anterior, etc. Nada
de novo, de diferente, de interessante. Uma escola assim é percebida pelas
crianças como algo muito aborrecido, que é preciso suportar, um remédio amargo
que precisa ser tomado. Uns poucos conseguem suportar essa escola; a grande
maioria desiste.
4.º) “Um mundo de silêncio e imobilidade”. Há
escolas que ainda obrigam
as crianças a
entrarem em fila,
uma atrás da outra, em silêncio.
Na sala, não se permite que a criança se levante, converse, olhe para o lado.
Felizmente, o sonho é livre e, enquanto “ouve” a criança dá asas à imaginação.
5.º) Um mundo “onde
os papéis de cada um estão previamente determinados”. O aluno deve calar,
escutar, obedecer, ser atento, disciplinado e dócil. O que é o bom aluno? Para
muitos professores, é “uma criança dócil, paciente, que sabe calar-se escutar o
que o professor fala”. O professor, por sua vez, é aquele que sabe, ordena, decide,
julga, pune.
6.º) “Um mundo onde só é
admitido falar bem”. Muitas vezes, a forma
espontânea com que a criança fala é corrigida pelo professor, que passa a
exigir do aluno a fala “correta”. O resultado é que, geralmente, para não ser
repreendida, a criança, deixa de falar ou só fala o mínimo necessário. Sua
linguagem torna-se pobre, pouco criativa e a criança sente dificuldade em expressar-se. Pode também enfrentar problemas
em sua identidade pessoa, pois sua linguagem espontânea é um é um dos aspectos
da identidade.
7.º) Um mundo “onde só é
permitido o que não é proibido”. Você já tentou fazer uma lista das
proibições escolares? Ficaria admirado de ver tanta proibição! O que nào é
proibido na escola?
8.º) “Um mundo uniforme, de
comunicação artificial”. A
linguagem utilizada pelo professor,
muitas vezes, é uma linguagem artificial, que todos devem falar. As
perguntas devem ser respondidas da mesma maneira por todos. Material escolar,
livro e atividades são os mesmos para todos. Todos devem adquirir os mesmos
conhecimentos, fazer os mesmos exames, ser avaliados pelos mesmos critérios. Em resumo, todos devem
fazer a mesma coisa ao mesmo tempo.
9.º) Um mundo de “punições e castigos”. Quem não
se enquadra dentro do mundo uniforme da escola é punido. Nota baixa,
repreensão, ameaça, suspensão, etc. São algumas das punições mais comuns em
nossas escolas.
10.º) Um mundo “ cujo percurso é uma corrida de
obstáculos”. Provas e trabalhos periódicos, em todas as matérias; aprovação
ou reprovação no fim de cada ano; seleção constante, principalmente na passagem
de um ano para o outro e de um grau para outro do ensino. Mas os obstáculos são
desiguais, para uns mais fáceis e para outros mais difíceis, pois os alunos não
têm os mesmos meios para ultrapassar esses obstáculos.
11.º) “ Um mundo com conteúdos
estranhos, que não têm qualquer significação nem qualquer utilidade imediata
para os alunos”. Os exercícios escolares, muitas vezes, nada mais são do que
repetições mecânicas e monótonas de palavras e atividades sem sentido para o
aluno. Já sabemos que o que não tem sentido nem tem utilidade não satisfaz as
necessidades da pessoa, não é aprendido.
12.º) “Um mundo desligado da realidade”. Um eclipse ocorre e os alunos são proibidos de
observá-lo, devem ficar na sala; um fato importante acontece no país e os
alunos não podem discuti-lo, não é matéria de aula; o aluno enfrenta
diariamente uma série de problemas que não podem ser analisados na escola, não
fazem parte de nenhuma matéria.
13.º) “Um mundo de conhecimentos
compartimentados, rigidamente hierarquizados”. A cabeça do aluno é transformada em arquivos com
muitas gavetas: uma para matemática, uma para português, uma para ciência, etc. Em cada
aula, o aluno
abre uma gaveta,
enfia uma série
de conhecimentos lá
dentro, depois fecha a
gaveta; na aula seguinte,
abre outra gaveta
e assim por
diante. Os conhecimentos não
são relacionados, não
são integrados a um conjunto próprio do aluno; por isso, são rapidamente esquecidos. Por
outro lado, a escola dá mais importância a umas matérias e menos a outra, como
pode ser observado pela diferença do número de horas atribuídas a cada matéria.
Dá-se preferência ao que é escrito e ao que é dito, em prejuízo do gesto, da
pintura, da música; dá-se preferência ao raciocínio abstrato, em prejuízo da
observação e da experimentação.
14.º) “Um mundo comandado por adultos estranhos”. Os
professores, muitas vezes, não têm liberdade para trabalhar. Embora tenham vontade, vêem-se limitados em suas
iniciativas. Limitados pelas autoridades, pelos colegas, pelos pais do alunos,
pelos programas a serem cumpridos, etc. Na verdade, a escola e os alunos são
conduzidos não pelo professor que aí está, em carne e osso, diante deles, mas por
adultos que só aparecem através de ordens, leis, normas, regras, etc. É um
mundo burocrático que pesa sobre
professores e alunos, atrapalhando muito mais do que ajudando.
Na maior parte dos casos,
a escola não leva em considerações diferenças que existem entre as crianças:
“diferenças nas condições materiais de vida, diferenças nas experiências
adquiridas fora da escola, diferenças de atitudes de pais em relação a escola
“, etc. O que acontece, então? Tratar de forma igual aqueles que são desiguais
“significa não apenas manter a desigualdade, mas até aumentá-la”. Os que têm
mais recursos avançam mais, progridem mais, são selecionados para chegar à
universidade, e a desigualdade aumenta ainda mais.
Além dos
conhecimentos das matérias escolares, a criança aprende valores e normas
comportamentais, principalmente por meio das atitudes que é obrigada a assumir
na escola .
De acordo com o mesmo
texto da Babette Harper e outros, tais valores e normas seriam os seguintes:
“o aprendizado de cada um por si, da
competição”, que leva ao individualismo; “o aprendizado do sentimento de
inferioridade”, por parte da maior parte dos alunos, que não conseguem alcançar
os primeiros lugares; “o aprendizado da
submissão”, por meio da posição do professor, geralmente destacada da posição
dos alunos; “ o aprendizado do respeito pela ordem estabelecida”, o aprendizado
do “medo do conflito” e da discussão __nada melhor que a harmonia, a
conciliação, a concordância. Com isso tudo, cria-se a homogeneidade, a
uniformidade, contrárias à criatividade, à liberdade, ao desenvolvimento
pessoal.
·
A
REAÇÃO DA CRIANÇA
Diante do
que encontra na escola, a criança reage. A maioria desiste de continuar os
estudos, dá-se por vencida.
A
escola não é adequada à maioria das
crianças brasileiras, que vive em condições precárias. O que acontece, então? Como a criança reage à
escola? O que acontece com a criança, diante de tudo o que a escola lhe oferece? Certamente vai haver
um choque, em que o lado mais fraco leva a pior. O resultado é o “fracasso”
escolar da maior parte das crianças.
Vimos que
esse fracasso não resulta tanto da falta de capacidade da criança, mas
principalmente da inadequação da escola às características das crianças que
procedem de ambientes pobres, como os que existem na maior parte do Brasil.
Essas crianças precisam de outro atendimento, pois suas características fazem
com que não reajam positivamente ao atendimento atualmente oferecido pela
escola.
Quais são as
características dessas crianças, em relação a tudo o
que encontrem na
escola ? Lindgren (op.
Cit. , p. 545-7) apresenta as
conclusões de uma pesquisa, que dão uma idéia da inadequação da escola e do
conseqüente “fracasso” das crianças. Apresentamos a seguir algumas dessas
conclusões:
1.ª) As
crianças desfavorecidas são menos
capazes de aprender por recomendações orais, do que as crianças de classe
média. Lindgren conta um exemplo
interessante: “Um policial visitou a escola
e falou às crianças sobre a necessidade de Ter cuidado ao
atravessar a rua. No dia seguinte, quando a professora mostrou-lhe a gravura de
um policial auxiliando uma criança a atravessar
a rua , elas insistiram em que
ele a estava levando para a cadeia.
Embora a professora continuasse a interrogá-las, não foram capazes de
dizer-lhes que o guarda estava auxiliando a criança a atravessar a rua.” A explicação é simples: a experiência das
crianças só abrange policiais levando
pessoas para a cadeia . Provavelmente, as crianças tinham visto várias
vezes policiais prendendo gente e nunca policiais ajudando a população. Nesse
caso, não adianta falar, pois a experiência da própria criança fala mais alto.
2.ª) As crianças desfavorecidas tendem a apresentar períodos mais
curtos de atenção e, conseqüentemente, têm dificuldades em seguir instruções. Essas crianças
necessitam de atividades variadas, que exijam pequenos períodos de atenção. Um
exemplo citado por Lindgren: “Uma
criança que estava
trabalhando com um
grupo na decoração de
papel de embrulho para
o Natal, retirou-se quando não
foi auxiliada pelo
professor na etapa seguinte,
embora o trabalho das outras crianças da mesa pudesse ter sido usado como
exemplo para o
que deveria ser
feito em seguida.
” Na escola,
principalmente nos primeiros
anos, períodos de
atenção e concentração
em uma atividade
devem ser intercalados com
períodos dedicados a outras atividades ou ao descanso e
conversas com os
colegas. A capacidade
de atenção desenvolve-se aos
poucos, com o treinamento em períodos cada vez mais longos.
3.ª) As experiências das crianças desfavorecidas são mais limitadas no
que se refere às atividades escolares. Muitas crianças não conhecem os objetos
usados na escola. Muitas vezes, desconhecem realidades só vivenciadas por
crianças de classe média: parque, restaurantes, carro, etc.
Outro aspecto salientado
pela pesquisa refere-se ao esforço. A escola geralmente trabalha com reforços e
recompensas simbólicos: notas, diplomas, elogios. Parece que a criança
desfavorecida é mais sensível a reforços concretos, palpáveis, por causa da
precariedade de suas condições de vida: Pode
preferir uma barra de chocolate a uma nota, um doce pequeno hoje a um
doce grande na semana que vem, etc.
Na verdade, a aprendizagem
que depende de reforços ou recompensas externos é sempre menos eficiente. A
motivação mais eficiente para a aprendizagem é a que vem de dentro do
indivíduo, de seu desejo espontâneo de aprender, de sua curiosidade natural, de
seu impulso para o crescimento.
·
O QUE FAZER?
A
escola não é um sistema isolado,
independente. É uma peça da engrenagem maior, a sociedade. Por isso,
provavelmente a escola só mudará na medida em que mudarem as estruturas sociais
injustas e discriminatórias. Entretanto, o professor não pode aguardar tais
mudanças. Ele precisa exercer sua
profissão e fazê-lo de forma
autêntica e coerente, ele estará contribuindo, através da educação, para
transformar a realidade que o circunda.
A maior
parte dos assuntos de Psicologia da Educação foi abordada no sentido de procurar
promover a mudança da atividade
escolar, com vistas
ao desenvolvimento espontâneo
e integral do aluno, o que, certamente, estimulará sua
participação na transformação da sociedade.
Um
princípio básico deve ser sempre lembrado: a criança emprega todos os esforços
e capacidades quando trabalha para objetivos reais e significativos, em função
de suas necessidades, motivos e intenções e de suas experiências anteriores. Se
a criança for “obrigada a participar de experiências que não estão ligadas à
realização de seus objetivos e intenções, ocorrem efeitos contrários - apatia, aprendizagem superficial,
frustração, atitudes negativas, indisciplina e desajustamento” (Mouly. Op.
Cit., p. 481-2). Na tentativa de aplicação deste princípio, alguns pontos
mínimos devem ser considerados:
a)
Compreensão da criança: por meio dos princípios psicológicos que
orientam seu desenvolvimento; das características da idade em que se encontra;
de suas experiências anteriores, interesses, valores, objetivos, etc.
b) Um
currículo adequado: as experiências escolares
devem ser selecionadas de acordo com as caraterísticas de cada criança,
o que implica experiências diferentes para cada aluno. Além do conteúdo dessas experiências, o método de
trabalho também é fundamental: não é possível utilizar com as crianças das
primeiras séries do primeiro grau os mesmos métodos utilizados no segundo grau.
c) Uma
situação social propícia para a máxima realização da criança: as
crianças da sala de aula devem formar um grupo coeso, em que cada um aceite
seus colegas, e em que haja uma
comunicação eficaz entre os alunos e entre o professor. Como líder do grupo, o
professor deve ser capaz de relacionar-se de forma positiva com as crianças e de estimulá-las,
para que busquem com entusiasmo a própria realização.
d) Orientação eficiente do
processo pelo qual a criança deve realizar suas responsabilidades: a
orientação é necessária, no sentido de que o aluno se envolva de forma pessoal
e ativa no processo de aprendizagem, a partir de seu desejo natural de aprender
e se desenvolver.
e) Um professor competente, sensível e
dedicado: algumas qualidades pessoais são importantes para o exercício do
magistério:
- compreensão ampla do assunto que ensina;
- capacidade criadora para preparar situações de aprendizagem
estimuladoras para a criança, favorecendo seu desenvolvimento máximo;
- sensibilidade para com as necessidades,
problemas e preocupações dos alunos, tendo como norma básica de conduta o
respeito à dignidade e à individualidade de cada criança:
- consciência de sua
responsabilidade como professor, de sua importância enquanto líder dos alunos,
com influência sobre o desenvolvimento das crianças e a forma como passarão a
encarar e a viver a vida.
BIBLIOGRAFIA
-
Bruno, Afonso. Sinopse de Psicologia geral. Fortaleza:
Secretaria de Cultura e Desporto, 1986.
-
Henneman, R. O que é psicologia. 3ª ed. Rio de Janeiro,
José Olympio, 1974.
- Morgan, Clifford Thomas. Introdução à
Psicologia.
São Paulo; Editora Mcgraw – Hill do
Brasil, 1977.
-
Dicionário
Aurélio.
-
Mueller, F. L. História da Psicologia. São Paulo, Nacional, 1968.
-
Pikunas, J. Desenvolvimento humano. São Paulo, McGraw –
Hill do Brasil, 1979.
-
Wertheimer, M. Pequena história da psicologia. São Paulo,
Nacional, 1972.
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Ser professor é ter o nobre ofício de exercer a arte de ensinar.