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sábado, 28 de dezembro de 2013

A AUTONOMIA DA ESCOLA



Em associação à descentralização, a autonomia da escola é dos conceitos mais mencionados nos programas de gestão promovidos pelos sistemas estaduais de ensino, como também em programas do Ministério de Educação, uma vez que neles está presente, como condição para realizar o princípio constitucional de democratização da gestão escolar. Isto porque a autonomia de gestão da escola, a existência de recursos sob controle local, junto com a liderança pelo diretor e participação da comunidade, são considerados os quatro pilares sobre os quais se assentam a eficácia escolar.

O conceito de autonomia da escola está relacionado com tendências mundiais de globalização e mudança de paradigma que têm repercussões significativas nas concepções de gestão educacional e nas ações dela decorrentes. Descentralização do poder, democratização do ensino, instituição de parcerias, flexibilização de experiências, mobilização social pela educação, sistema de cooperativas, interdisciplinaridade na solução de problemas são estes alguns dos conceitos relacionados com essa mudança. Entende-se, nesse conjunto de concepções, como fundamental, a mobilização de massa crítica para se promover a transformação e sedimentação de novos referenciais de gestão educacional para que a escola e os sistemas educacionais atendam às novas necessidades de formação social a que a escola deve responder, conforme anteriormente apontado.
A autonomia é uma necessidade, quando a sociedade pressiona as instituições para que realizem mudanças urgentes e consistentes, para que respondam com eficácia e rapidamente às necessidades locais e da sociedade globalizada, em vista do que, aqueles responsáveis pelas ações devem tomar decisões rápidas, de modo que as mudanças ocorram no momento certo, a fim de não se perder o momentum de transformação e da realização de objetivos. E esse momentum, sobretudo dependente de comprometimento coletivo.
É necessário, no entanto, que se reflita sobre o conceito de autonomia escolar e se explore o seu significado e suas repercussões, uma vez que concepções conflitantes estão sendo expressas, gerando desentendimento e confusão sobre a questão, que, na prática, promovem desarticulação de ações e de propósitos. As duas situações abaixo registradas apontam esse fato.
De um lado, observa-se que, em muitos programas de sistemas educacionais, a autonomia é entendida como o resultado de transferência financeira. Conforme se pronunciou um dirigente educacional, dando notoriedade a essa proposta: A autonomia é financeira, ou não existe.. Porém, transferência de recursos por si não garante autonomia, uma vez que esta, como processo complexo, depende de uma série de características, e está relacionada com outras áreas como se verá mais adiante. Por outro lado, para muitos diretores, a autonomia é a capacidade de agir independentemente do sistema. A expressão desse entendimento foi observada pela autora em ocasiões diversas em que diretores escolares negavam a autoridade de seu secretário de Educação sobre várias questões, como por exemplo, de solicitar a prestação de contas de resultados de certas ações ou do direito de convocá-los para uma reunião na Secretaria de Educação iriam consultar as bases para decidir se deveriam ou não comparecer.
Por parte dos sistemas educacionais, os mesmos órgãos que preconizam a autonomia da escola, decretando a eleição do diretor da escola, concedendo as verbas para a autogestão escolar, cerceiam a prática dessa autonomia com normas e regulamentos frequentes sobre operações e não sobre os princípios da qualidade do ensino e seus resultados. O hábito da interferência no cotidiano da escola e do controle sobre a mesma continua vigendo.
Em muitos casos, a interferência operacional do sistema sobre a escola é tanta que inviabiliza a sua orientação para implementar seu próprio projeto político-pedagógico, o qual é abandonado, na expectativa das determinações superiores. Por vezes, até mesmo, chegam à escola, de diferentes áreas de ação da Secretaria de Educação, comunicações e demandas conflitantes que confundem e desestimulam a realização de seu projeto de desenvolvimento, promovendo, dessa forma, a imobilização da escola. Tais situações indicam a falta de entendimento do que é autonomia e das implicações para sua realização como uma política do sistema.
O que é a autonomia? Qual o seu âmbito e abrangência?
Corresponderia ao total e absoluto desligamento de um poder central?
Vamos examinar essa questão.
Por certo, trata-se a autonomia de um conceito complexo, com múltiplas nuances e significados, tantos quantos esforços existem para expressá-la na realidade escolar. Algumas vezes, porém, ela é muito mais uma prática de discurso do que uma expressão concreta em ações objetivas: em outras, representa o discurso utilizado para justificar práticas individualistas e dissociadas do contexto. Mas é fundamental que se desenvolva um entendimento comum sobre o mesmo, uma vez que, a partir dele, são organizados programas de ação que influenciam, explicam e legitimam ações de repercussão social muito grande.
O verbete autonomia, conforme propõe o Dicionário Básico da Língua Portuguesa (Ferreira, 1995), é a capacidade de resolver seus próprios problemas.. Tal conceito apresenta uma série de implicações, sendo a mais forte, a de que quem resolve seus próprios problemas não necessita de outrem para ajudar-lhe a faz- lo. Corresponde, portanto, esse significado, a uma autonomia plena e total desligamento de outros setores. Nesse caso, a escola não necessitaria do governo, nem da comunidade para realizar seu trabalho: seria autossuficiente. Ora, tal condição é inadequada, em todos os seus aspectos. A escola é uma organização social, instituída pela sociedade e organizada para prestar-lhe um serviço que deve ser, portanto, coordenado e orientado por organismos sociais que detêm esse estatuto, ao mesmo tempo em que se articula com sua comunidade local, de modo a desempenhar sua missão adequadamente.
Possivelmente em decorrência desse entendimento é que se receia, na escola, que a sua autonomia venha a resultar em seu abandono pelo governo central.
Poder-se-ia afirmar, portanto, que a escola se situa entre dois contextos de articulação: uma central e outro local, sendo interdependente em relação a ambos. Tanto em relação à sua instituição, como ao funcionamento e aos resultados de seu trabalho, a escola, mesmo a de caráter privado, deve à sociedade ampla, representada pelo governo, e a local, representada pela comunidade, prestar contas de sua responsabilidade (definida aliás, socialmente), como deles receber orientações e, no caso da escola pública, recursos compatíveis com suas necessidades de bom funcionamento.
Portanto, a escola existe e vive em condição de interdependência com os organismos centrais e locais, necessitando articular-se com os mesmos para garantir sua própria identidade social. No entre jogo desses âmbitos é que a escola constrói a sua autonomia, sendo esta caracterizada, portanto, pela fluidez, em acordo com as tendências e forças do momento.
Como um conceito que explica situações complexas e de múltiplas facetas, autonomia não pode ser explicada simplesmente pelo senso comum do dicionário. Precisa ser articulado de modo especial, para explicar um processo que se pretende construir na escola. Conceituar e explicar os múltiplos e complexos desdobramentos de seu significado implica, pois, delinear o que se pretende promover e se promove na escola, que identidade essa instituição constrói e pretende construir, que tipo de relação existe entre a mesma, sua comunidade e os órgãos centrais. Os desdobramentos políticos e sociológicos do conceito são, portanto, múltiplos.
Estabelece-se, neste documento, que autonomia, no contexto da educação, consiste na ampliação do espaço de decisão, voltada para o fortalecimento da escola como organização social comprometida reciprocamente com a sociedade, tendo como objetivo a melhoria da qualidade do ensino. Autonomia é a característica de um processo de gestão participativa que se expressa, quando se assume com competência a responsabilidade social de promover a formação de jovens adequada às demandas de uma sociedade democrática em desenvolvimento, mediante aprendizagens significativas.
Trata-se de um conceito que se realiza dinamicamente, num continuam fluido, conforme as manifestações de participação local, no entrechoque com a determinação externa. O mesmo abrange a mudança de um princípio de uniformidade, ditada por regras e regulamentos, para o princípio de unidade, orientada por princípios e diretrizes.
A autonomia não se resume, portanto, à questão financeira, nem é mais significativa nessa dimensão, e sim na política, isto é, no que se refere à capacidade de tomar decisões compartilhadas e comprometidas e usar o talento e a competência coletivamente organizada e articulada, para a resolução dos problemas e desafios educacionais, assumindo a responsabilidade pelos resultados dessas ações, vale dizer, apropriando-se de seu significado e de sua autoria. Portanto, a descentralização é um meio e não um fim, na construção da autonomia, assim como esta é, também, um meio para a formação democrática dos alunos.
Sustenta esse posicionamento a compreensão de que todos os problemas relacionados com a educação são problemas da coletividade, não são problemas exclusivamente de governo. Em consequência, as soluções para os mesmos devem ser buscadas em conjunto, levando em conta a reflexão coletiva sobre a realidade e a necessidade de negociação e o convencimento local para sua efetivação, o que só pode ser praticado, mediante o espaço de autonomia.
Cabe lembrar aqui, que tomada de decisão, antes e acima de tudo, corresponde ao estabelecimento de um firme e resoluto compromisso de ação, sem o qual o que se necessita e espera-se, não se converte em realidade; não é, portanto, uma formalização de intenções ou de expectativas (Lück, 1999). Vale dizer que, associada a essa tomada de decisão, devem estar presentes o empreendedorismo e a pro atividade, uma vez que na sua ausência nada se realiza.
Para a prática da autonomia escolar, alguns mecanismos são explicitados: existência de estrutura de gestão colegiada, que garante a gestão compartilhada; a eleição de diretores e a ação em torno de um projeto político-pedagógico.
Quanto à estrutura de gestão colegiada, o próprio Ministério da Educação (MEC) orientou a organização dessas estruturas, com o objetivo de sistematizar e ordenar a formação desses mecanismos de gestão, denominando-os genericamente como Unidade Executora, cuja responsabilidade precípua seria a de receber, executar e gerir recursos financeiros da unidade escolar:
A Unidade Executora é uma denominação genérica, adotada para referir-se às diversas nomenclaturas, encontradas em todo território nacional para designar entidade de direito privado, sem fins lucrativos, vinculados à escola, tendo como objetivo a gestão dos recursos financeiros, transferidos para a manutenção e desenvolvimento do ensino. Não importa qual a denominação que a unidade escolar e a comunidade escolham para a Unidade Executora, seja ela Associação, Caixa Escolar, Círculo de Pais e outras. O princípio básico é a busca da promoção da autonomia da escola e participação da comunidade, em todas as suas dimensões: pedagógica, administrativa e financeira (Brasil, 1997).

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