Em associação à descentralização, a autonomia da
escola é dos conceitos mais mencionados nos programas de gestão promovidos
pelos sistemas estaduais de ensino, como também em programas do Ministério de
Educação, uma vez que neles está presente, como condição para realizar o
princípio constitucional de democratização da gestão escolar. Isto porque a
autonomia de gestão da escola, a existência de recursos sob controle local,
junto com a liderança pelo diretor e participação da comunidade, são
considerados os quatro pilares sobre os quais se assentam a eficácia escolar.
O conceito de autonomia da escola está relacionado
com tendências mundiais de globalização e mudança de paradigma que têm
repercussões significativas nas concepções de gestão educacional e nas ações
dela decorrentes. Descentralização do poder, democratização do ensino,
instituição de parcerias, flexibilização de experiências, mobilização social
pela educação, sistema de cooperativas, interdisciplinaridade na solução de
problemas são estes alguns dos conceitos relacionados com essa mudança.
Entende-se, nesse conjunto de concepções, como fundamental, a mobilização de
massa crítica para se promover a transformação e sedimentação de novos
referenciais de gestão educacional para que a escola e os sistemas educacionais
atendam às novas necessidades de formação social a que a escola deve responder,
conforme anteriormente apontado.
A autonomia é uma necessidade, quando a sociedade
pressiona as instituições para que realizem mudanças urgentes e consistentes,
para que respondam com eficácia e rapidamente às necessidades locais e da
sociedade globalizada, em vista do que, aqueles responsáveis pelas ações devem
tomar decisões rápidas, de modo que as mudanças ocorram no momento certo, a fim
de não se perder o momentum de transformação e da realização de
objetivos. E esse momentum, sobretudo dependente de comprometimento
coletivo.
É necessário, no entanto, que se reflita sobre o
conceito de autonomia escolar e se explore o seu significado e suas
repercussões, uma vez que concepções conflitantes estão sendo expressas,
gerando desentendimento e confusão sobre a questão, que, na prática, promovem
desarticulação de ações e de propósitos. As duas situações abaixo registradas
apontam esse fato.
De um lado, observa-se que, em muitos programas de
sistemas educacionais, a autonomia é entendida como o resultado de
transferência financeira. Conforme se pronunciou um dirigente educacional,
dando notoriedade a essa proposta: A autonomia é financeira, ou não existe..
Porém, transferência de recursos por si não garante autonomia, uma vez que
esta, como processo complexo, depende de uma série de características, e está
relacionada com outras áreas como se verá mais adiante. Por outro lado, para
muitos diretores, a autonomia é a capacidade de agir independentemente do
sistema. A expressão desse entendimento foi observada pela autora em ocasiões
diversas em que diretores escolares negavam a autoridade de seu secretário de
Educação sobre várias questões, como por exemplo, de solicitar a prestação de
contas de resultados de certas ações ou do direito de convocá-los para uma
reunião na Secretaria de Educação iriam consultar as bases para decidir se
deveriam ou não comparecer.
Por parte dos sistemas educacionais, os mesmos órgãos
que preconizam a autonomia da escola, decretando a eleição do diretor da
escola, concedendo as verbas para a autogestão escolar, cerceiam a prática
dessa autonomia com normas e regulamentos frequentes sobre operações e não
sobre os princípios da qualidade do ensino e seus resultados. O hábito da
interferência no cotidiano da escola e do controle sobre a mesma continua
vigendo.
Em muitos casos, a interferência operacional do
sistema sobre a escola é tanta que inviabiliza a sua orientação para
implementar seu próprio projeto político-pedagógico, o qual é abandonado, na
expectativa das determinações superiores. Por vezes, até mesmo, chegam à
escola, de diferentes áreas de ação da Secretaria de Educação, comunicações e
demandas conflitantes que confundem e desestimulam a realização de seu projeto
de desenvolvimento, promovendo, dessa forma, a imobilização da escola. Tais
situações indicam a falta de entendimento do que é autonomia e das implicações
para sua realização como uma política do sistema.
O que é a autonomia? Qual o seu âmbito e abrangência?
Corresponderia ao total e absoluto desligamento de um
poder central?
Vamos examinar essa questão.
Por certo, trata-se a autonomia de um conceito
complexo, com múltiplas nuances e significados, tantos quantos esforços existem
para expressá-la na realidade escolar. Algumas vezes, porém, ela é muito mais
uma prática de discurso do que uma expressão concreta em ações objetivas: em
outras, representa o discurso utilizado para justificar práticas individualistas
e dissociadas do contexto. Mas é fundamental que se desenvolva um entendimento
comum sobre o mesmo, uma vez que, a partir dele, são organizados programas de
ação que influenciam, explicam e legitimam ações de repercussão social muito
grande.
O verbete autonomia, conforme propõe o Dicionário
Básico da Língua Portuguesa (Ferreira, 1995), é a capacidade de resolver
seus próprios problemas.. Tal conceito apresenta uma série de implicações,
sendo a mais forte, a de que quem resolve seus próprios problemas não necessita
de outrem para ajudar-lhe a faz- lo. Corresponde, portanto, esse significado, a
uma autonomia plena e total desligamento de outros setores. Nesse caso, a
escola não necessitaria do governo, nem da comunidade para realizar seu
trabalho: seria autossuficiente. Ora, tal condição é inadequada, em todos os
seus aspectos. A escola é uma organização social, instituída pela sociedade e
organizada para prestar-lhe um serviço que deve ser, portanto, coordenado e
orientado por organismos sociais que detêm esse estatuto, ao mesmo tempo em que
se articula com sua comunidade local, de modo a desempenhar sua missão
adequadamente.
Possivelmente em decorrência desse entendimento é que
se receia, na escola, que a sua autonomia venha a resultar em seu abandono pelo
governo central.
Poder-se-ia afirmar, portanto, que a escola se situa
entre dois contextos de articulação: uma central e outro local, sendo
interdependente em relação a ambos. Tanto em relação à sua instituição, como ao
funcionamento e aos resultados de seu trabalho, a escola, mesmo a de caráter
privado, deve à sociedade ampla, representada pelo governo, e a local,
representada pela comunidade, prestar contas de sua responsabilidade (definida
aliás, socialmente), como deles receber orientações e, no caso da escola
pública, recursos compatíveis com suas necessidades de bom funcionamento.
Portanto, a escola existe e vive em condição de
interdependência com os organismos centrais e locais, necessitando articular-se
com os mesmos para garantir sua própria identidade social. No entre jogo desses
âmbitos é que a escola constrói a sua autonomia, sendo esta caracterizada,
portanto, pela fluidez, em acordo com as tendências e forças do momento.
Como um conceito que explica situações complexas e de
múltiplas facetas, autonomia não pode ser explicada simplesmente pelo senso
comum do dicionário. Precisa ser articulado de modo especial, para explicar um
processo que se pretende construir na escola. Conceituar e explicar os
múltiplos e complexos desdobramentos de seu significado implica, pois, delinear
o que se pretende promover e se promove na escola, que identidade essa
instituição constrói e pretende construir, que tipo de relação existe entre a
mesma, sua comunidade e os órgãos centrais. Os desdobramentos políticos e
sociológicos do conceito são, portanto, múltiplos.
Estabelece-se, neste documento, que autonomia, no
contexto da educação, consiste na ampliação do espaço de decisão, voltada para
o fortalecimento da escola como organização social comprometida reciprocamente
com a sociedade, tendo como objetivo a melhoria da qualidade do ensino.
Autonomia é a característica de um processo de gestão participativa que se
expressa, quando se assume com competência a responsabilidade social de
promover a formação de jovens adequada às demandas de uma sociedade democrática
em desenvolvimento, mediante aprendizagens significativas.
Trata-se de um conceito que se realiza dinamicamente,
num continuam fluido, conforme as manifestações de participação local,
no entrechoque com a determinação externa. O mesmo abrange a mudança de um
princípio de uniformidade, ditada por regras e regulamentos, para o princípio
de unidade, orientada por princípios e diretrizes.
A autonomia não se resume, portanto, à questão
financeira, nem é mais significativa nessa dimensão, e sim na política, isto é,
no que se refere à capacidade de tomar decisões compartilhadas e comprometidas
e usar o talento e a competência coletivamente organizada e articulada, para a
resolução dos problemas e desafios educacionais, assumindo a responsabilidade
pelos resultados dessas ações, vale dizer, apropriando-se de seu significado e
de sua autoria. Portanto, a descentralização é um meio e não um fim, na
construção da autonomia, assim como esta é, também, um meio para a formação
democrática dos alunos.
Sustenta esse posicionamento a compreensão de que
todos os problemas relacionados com a educação são problemas da coletividade,
não são problemas exclusivamente de governo. Em consequência, as soluções para
os mesmos devem ser buscadas em conjunto, levando em conta a reflexão coletiva
sobre a realidade e a necessidade de negociação e o convencimento local para
sua efetivação, o que só pode ser praticado, mediante o espaço de autonomia.
Cabe lembrar aqui, que tomada de decisão, antes e
acima de tudo, corresponde ao estabelecimento de um firme e resoluto
compromisso de ação, sem o qual o que se necessita e espera-se, não se converte
em realidade; não é, portanto, uma formalização de intenções ou de expectativas
(Lück, 1999). Vale dizer que, associada a essa tomada de decisão, devem estar
presentes o empreendedorismo e a pro atividade, uma vez que na sua ausência
nada se realiza.
Para a prática da autonomia escolar, alguns
mecanismos são explicitados: existência de estrutura de gestão colegiada, que
garante a gestão compartilhada; a eleição de diretores e a ação em torno de um
projeto político-pedagógico.
Quanto à estrutura de gestão colegiada, o próprio
Ministério da Educação (MEC) orientou a organização dessas estruturas, com o
objetivo de sistematizar e ordenar a formação desses mecanismos de gestão,
denominando-os genericamente como Unidade Executora, cuja responsabilidade
precípua seria a de receber, executar e gerir recursos financeiros da unidade
escolar:
A Unidade
Executora é uma denominação genérica, adotada para referir-se às diversas
nomenclaturas, encontradas em todo território nacional para designar entidade
de direito privado, sem fins lucrativos, vinculados à escola, tendo como
objetivo a gestão dos recursos financeiros, transferidos para a manutenção e
desenvolvimento do ensino. Não importa qual a denominação que a unidade escolar
e a comunidade escolham para a Unidade Executora, seja ela Associação, Caixa
Escolar, Círculo de Pais e outras. O princípio básico é a busca da promoção da
autonomia da escola e participação da comunidade, em todas as suas dimensões:
pedagógica, administrativa e financeira (Brasil, 1997).
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